De Belmonte para a América. Um dia começará assim a biografia de Alexandre Abreu. Actual vice-campeão nacional de Jovens, o jogador do Clube de Golfe da Quinta da Bica, de 17 anos, conclui hoje a sua participação no campeonato de golfe do Junior Orange Bowl: International Youth Sports & Arts Festival, que se disputa no The Biltmore Golf Course, na Florida – e o que espera é que se trate apenas do primeiro passo em direcção a uma carreira no PGA Tour, circuito a que nenhum golfista português alguma vez chegou. “Tenho a certeza de que, se queimar as etapas que tenho na cabeça, as probabilidades de lá chegar serão enormes”, diz, num registo de assumida auto-confiança. E não é só ele quem o diz (ou pensa): é a família, são os amigos e são mesmo os colegas e os vizinhos de Belmonte, da Guarda, da Covilhã – todos aqueles que um dia gostariam ver vingada, através dele, a subalternidade da respectiva região no universo do golfe nacional.
Jorge Roig, agora encarregado da sua preparação física, do seu acompanhamento psicológico e do seu aconselhamento nutricional, tenta pôr alguma água na fervura. “O Alexandre tem muitas expectativas à sua volta e está demasiado preocupado em ser o próximo Tiger Woods. Espero conseguir convencê-lo de que a única forma que tem de chegar onde quer é sendo o melhor Alexandre Abreu que puder”, diz. Nascido na Argentina mas instalado em Portugal há quase dez anos , Roig tem um doutoramento em Fisiologia do Exercício e Nutrição Desportiva – e, quando soube das suas habilitações, Manuel Alexandre Abreu, pai de Alexandre, não hesitou em pegar no filho e dirigir-se ao ginásio de Vila Nova de Gaia onde trabalha. Resultado: uma parceria de tal forma profícua que deverá mesmo implicar, a partir do próximo ano, a entrega a Roig da direcção do centro médico que Manuel Abreu está a construir em Belmonte – e onde o filho passará em breve a concentrar a sua preparação.
Trata-se, no fundo, de apenas mais um elemento para a entourage . Privado desde 2005 de um professor a tempo inteiro, Alexandre Abreu consulta regularmente vários treinadores de swing, como Eduardo Maganinho, do Oporto Golf Club, ou os seleccionadores nacionais Sebastião Gil e David Moura. Mas nem Pedro Figueiredo, a jovem promessa que entretanto se mudou para a América para estudar e melhorar o seu golfe, terá por esta altura um séquito da dimensão do seu – e, inclusive, tantos projectos a nascer à sua volta, incluindo todo um resort de golfe com centro de alto rendimento, centro de estágios e centro médico (ver peça em anexo). Principal mentor da ideia: o pai. “É muito simples”, diz o próprio. “O Alexandre tem em mim o maior aliado de todos. Não há pressão nenhuma. Simplesmente, o Pedro Figueiredo tem o Ginja [ndr: Ginja Figueiredo, pai de Pedro Figueiredo] e o Alexandre tem-me a mim. Vou com ele até onde for preciso.” Como acontece este fim-de-semana, em Coral Gables. Como aconteceu há quatro anos, quando Alexandre passou quinze dias a treinar na academia do guru internacional David Leadbetter, em Bradenton (também na Florida). E como acontece tantas e tantas outras vezes, quando Alexandre Abreu está em campo e o pai o acompanha pelo fairway, tentando (e mesmo não sabendo jogar golfe) fomentar a sua concentração.
Dono de uma empresa do ramo alimentar, Manuel Alexandre Abreu mudou-se de Matosinhos para Belmonte, terra de Pedro Álvares Cabral e de judeus sefarditas, em 1992, depois de comprar a Dramin, empresa detentora das minas do Vale da Gaia, entre Belmonte e Gonçalo (Guarda), onde outrora se explorava o ouro e o estanho. “Vim para explorar feldspatos e agregados, que é o que hoje produzimos. Mas a mina estava degradada e a região deprimida – e, então, lembrei-me de investir um pouco no turismo”, conta. Resultado: um campo de golfe de nove buracos, formato pitch&putt, e uma academia ao lado, incluindo driving range, putting green e demais áreas de treino. Estávamos em 2003 e Alexandre Abreu, então com onze anos, não tardou a aderir ao jogo, contanto na altura com a ajuda do profissional Luís Barroso, que ali trabalhou até 2005. Hoje, seis anos passados, é handicap 2. Não tem ainda qualquer título relevante, mas já é vice-campeão nacional de Jovens – e, entretanto, já jogou nove torneios internacionais pela selecção nacional da sua categoria.
“Espero ganhar um torneio importante em 2010. Gostava de vencer um Tranquilidade e, quem sabe, o Campeonato Nacional de Jovens, visto que é o meu último ano. E quero estar em bom plano nos torneios internacionais, claro”, diz Alexandre. O pai, orgulhoso, frisa repetidamente: “Não é fácil vir do Interior, treinar sozinho a maior parte do tempo e chegar aqui…” Juntos, os dois esperam conseguir agora a colocação de Alexandre numa universidade americana, à semelhança do que aconteceu com Pedro Figueiredo. “O Orange Bowl é sempre uma boa oportunidade. Está lá toda a gente. Mas, se não conseguir, vou continuar a tentar até ao próximo Verão. E, se acabar por não conseguir mesmo, não será fácil, mas hei-de ficar em Portugal e continuar a treinar”, explica Alexandre. Para já, vai cumprindo o rigoroso programa físico e nutricional prescrito por Jorge Roig, com o objectivo de começar em breve a aumentar a sua limitada massa muscular. Entretanto, tenta acabar o liceu (área de Desporto), onde beneficia da ajuda dos colegas, tão generosos no fornecimento de apontamentos quanto ávidos de vê-lo triunfar na alta roda do golfe mundial. “Não teria chegado a este nível sem eles, até porque ainda não tenho o estatuto de alta competição. Muito menos teria chegado sem os meus pais, que me ajudam em todas as situações”, diz.
“É um golfista lutador, com algumas correcções a fazer ainda na área técnica, mas que não deverão colocar-lhe dificuldades”, diz David Moura, um dos seleccionadores nacionais. “Do ponto de vista psicológico, no entanto, tem algum trabalho a fazer. Vai-se um pouco abaixo nos momentos de maior pressão – e, principalmente, traz com ele as expectativas dos pais e dos amigos, o que parece ter algum peso nas suas prestações”, insiste. E, porém, a paixão está lá. Apesar do imponente 1,86 m e do aspecto de jovem estrela pop, Alexandre nem sequer namorada tem (embora não por princípio): quase tudo na sua vida é golfe – jogar golfe, ver golfe, ler sobre golfe. Nos últimos tempos, andou a corrigir o sway (defeito de swing que consiste em mover lateralmente os joelhos ao partir do downswing), mas entretanto já considerou a prova superada. E, quando alguém se lhe junta em Belmonte para um match play de 18 buracos, no pico do Inverno, com a temperatura próxima dos zero graus centígrados e a neve a acompanhar a visita, é difícil não acreditar no seu sonho. Não se trata de um filho único, afinal: trata-se do sexto de sete irmãos, embora o mais velho de um segundo casamento – e, se veio a transformar-se na estrela do clã, não foi seguramente por mimo puro e simples.
CEGONHA NEGRA RESORT APRESENTADO EM JANEIRO
Para já, o golfe em Belmonte descreve-se assim: 22 golfistas, dos quais apenas 12 com handicap válido e pouco mais de meia dúzia treinando regularmente. Mas todos os dias, garante Manuel Alexandre Abreu, há cerca de dez mil golfistas na raia espanhola, oriundos nomeadamente das províncias de Salamanca e Cáceres, com poucas opções de campos para jogar – e alguém vai ter de ocupar esse espaço. Pois é a isso que se propõe agora a Quinta da Bica. Projecto: um grande resort, juntando às actuais instalações (academia, driving range, nove buracos de pitch&putt, club-house e restaurante) uma série de novas valências, incluindo um hotel de qualidade (com centro médico), um aldeamento turístico e um novo campo championship de 18 buracos, com desenho do campeoníssimo Severiano Ballesteros. O anúncio oficial dos vários empreendimentos deverá ser feito em Janeiro, com a presença de pelo menos um membro do Governo e (espera Manuel Alexandre Abreu) um representante da equipa de Ballesteros, esperadamente o próprio Severiano (operado no ano passado a um tumor cerebral no ano passado). “Não posso garantir que ele venha. Para já, tenho tratado de tudo com o seu irmão, Baldomero”, diz Manuel Alexandre. O desenho, no entanto, está pronto: um longo par 72, com seis marcas de batida diferentes, uma curiosa equitatividade na divisão do par (seis par 3, seis par 4 e seis par 5) e, a meio do buraco 18, o inevitável bunker em “S”, a habitual “marca de Zorro” de Ballesteros. Está prevista a assinatura de um acordo com um parceiro estrangeiro, mas Manuel Alexandre deverá continuar como sócio maioritário, apoiado no banco millenniumbcp. “O objectivo é ter o campo aberto ao público no final de 2011”, explica. Para mais tarde, e vista a actual crise global, ficará o resto do projecto, desenhado pelo arquitecto lisboeta Miguel Correia (atelier Ideias de Futuro): um aparthotel turístico, um edifício de eventos, um hotel saúde, um hotel rural, um clube náutico, uma zona comercial, com restauração, um parque infantil, quatro tipos diferentes de moradias unifamiliares e várias bolsas de estacionamento – o resort ideal tanto para férias como para estágios desportivos de alto rendimento das mais variadas modalidades. “Queremos qualidade, queremos excelência. Já temos um dos três melhores restaurantes do país e, agora, vamos alargar esse conceito a outras áreas de actividade”, explica Abreu. Cegonha Negra Resort Golf & Spa – assim se chamará o complexo, baptizado em honra das cegonhas de barriga preta típicas da região. Lisboa está agora a apenas duas horas de distância, via A 23. A Guarda e a Covilhã a apenas 10 minutos. A fronteira espanhola a 30 minutos – e a grande cidade de Salamanca a não mais do que uma hora.
REPORTAGEM. J, 27 de DEZEMBRO de 2009