Fomos ao Celtic Manor Resort com Ricardo, guarda-redes do Bétis de Sevilha, para jogar o mesmo campo onde, em Outubro, Tiger Woods, Pádraig Harrintgon e os outros monstros sagrados todos disputarão a Ryder Cup 2010. O campo revelou-se areia de mais para ambas as camionetas, ninguém acertou na bola e a igualdade final quase parecia combinada. Ainda se falou num desempate a penáltis. Mas quem é o maluco que se mete num desempate a penáltis com Ricardo?
O convite partiu do próprio comité de organização da Ryder Cup 2010. Ricardo aceitara a proposta para servir de rosto à promoção da prova em Portugal e nós estávamos convidados a viajar até ao País de Gales para experimentar, ao lado do guarda-redes do Bétis de Sevilha, o Twenty Ten Course do Celtic Manor Resort, campo onde, entre 1 e 3 de Outubro, Tiger Woods e Pádraig Harrington, Phil Mickelson e Sergio García, Steve Stricker e Ian Poulter, Kenny Perry e Paul Casey e outros 16 dos melhores jogadores mundiais disputarão a 38ª edição da mais importante prova golfística do mundo, com audiências televisivas apenas suplantadas pelas dos Jogos Olímpicos e do Campeonato do Mundo de futebol.
Não hesitámos – e fizemo-nos ao caminho. Problema: os quase sete quilómetros de traçado, mais os seus ventos cruzados e os seus muitos lagos, partiram-nos o coração. Connosco jogaram Paul Williams, director de marketing do Celtic Manor Resort, e Rui Coelho, representante da Nike em Portugal – e ambos conseguiram sair dali de cabeça erguida. Nós não. Com handicaps parecidos (7,8 e 8,2), fizemos um jogo parecido também: poucos greens in regulation, menos up-and-downs ainda e, pelo contrário, muitos fluffs, muitas bolas perdidas em lagos e um monte de greens a três putts. O empate foi quase como que uma solução de compromisso – e, no fim, foi preciso agendar para a manhã imediatamente a seguir um jogo no contíguo Roman Road Course, em jeito de tira-gosto.
O relato é na primeira pessoa. As fotos são do José Carlos Pratas, que também entra na história. Oxalá ninguém leia isto.
Buraco 1
Par: 4
Distância: 425 metros
O buraco é comprido – e, na ânsia de colocar-se em posição para poder atingir o green in regulations, Ricardo sai à direita, para o rough. Eu fico no meio do fairway, mas à segunda passo o green. Resultado: um chip e dois putts para cada um – dois bogies, portanto. Calma, calma, ainda estamos a aquecer…
Buraco 2
Par: 5
Distância: 557 metros
Ricardo sai mal, com um drive muito curto e à esquerda. Eu pareço sair bem, mas atinjo um bunker de farway, com um enorme lábio de permeio. Ele ainda consegue atingir o green em quatro, eu só lá chego em cinco. Vale-me que ele faz três putts. Dois duplos-bogies, pois. Por esta altura já devíamos estar aquecidos, não?
Resultado: ALL SQUARE
Buraco 3
Par: 3
Distância: 172 metros
Falhamos ambos o green e estamos ainda ambos na fringe ao fim de duas pancadas. Ele faz mais um chip e dois putts, eu salvo um bogie com up-and-down. 1Up para mim, certo. Mas – meu Deus – como isto está alinhado por baixo… Propusessem-nos um 80 para cada um e já as aceitávamos de caras.
Resultado: “O JOGO” 1UP
Buraco 4
Par: 4
Distância: 421 metros
Falhamos ambos o fairway, chegamos ambos em três ao green e fazemos ambos três esforçados putts, saindo ambos de lá com um vergonhoso duplo-bogey. A depressão instala-se – e o facto de os greens serem duros, rápidos, cheios de slope e dificílimos de ler não serve de desculpa. Vamos começar de novo, Ricardo?
Resultado: “O JOGO” 1UP
Buraco 5
Par: 4
Distância: 417 metros
Eu começo com um pull, faço um layup, um pitch shot e dois putts. Ele sai bem, mas falha o green à segunda e não consegue o up-and-down. É o stroke 1, tudo bem. Mas, ao nosso lado, o Rui Coelho faz birdie. A coisa começa a assumir contornos de humilhação. Se calhar, dois 85 já vinham bem a calhar…
Resultado: “O JOGO” 1UP
Buraco 6
Par: 4
Distância: 413 metros
Ricardo mete duas na água e eu estou no meio do fairway. Mas atiro-me para o birdie e meto a segunda na água também, enquanto ele ainda falha o green com a sexta. Ganho-lhe um buraco com triplo bogey. Começamos a discutir a hipótese de este texto não ser muito pormenorizado. José Carlos, isto se calhar vai ser mais fotos do que outra coisa…
Resultado: “O JOGO” 2UP
Buraco 7
Par: 3
Distância: 194 metros
Ele falha o green à direita, faz um fluff e salva o bogey com up-and-down. Eu atinjo o green in regulations, mas faço três putts. Mais um empate. Sete buracos vezes dois jogadores é igual a catorze buracos e um só green in regulations. Este sacaninha deste campo está a tentar chatear-nos. Mas ele já vai ver o que é bom para a tosse…
Resultado: “O JOGO” 2UP
Buraco 8
Par: 4
Distância: 401 metros
Falhamos ambos o fairway, falhamos ambos o green e falhamos ambos o scramble. Mais um bogey para cada. Com distâncias assim, arriscamos sempre de mais e pomo-nos sempre em posição de desvantagem. O que isto precisa é de uma nova abordagem. Voltássemos cá amanhã e outro galo cantaria. Até o diabo se ria às gargalhadas…
Resultado: “O JOGO” 2UP
Buraco 9
Par: 5
Distância: 608 metros
Nova abordagem – e, enfim, o jogo começa a aparecer. O buraco 5 é longuíssimo, mas Ricardo joga-o todo bem, faz green in regulations, dois putts e par. Eu estou a 130 metros em duas, mas passo o green, apanho um mau lie e não consigo chippar para perto da bandeira. Nenhum problema: já foi golfe. Que grande back nine isto vai ser…
Resultado: “O JOGO” 1UP
Buraco 10
Par: 3
Distância: 192 metros
Ricardo dá o seu melhor shot do dia e falha o hole-in-one por escassos dez centímetros, deixando-nos com a respiração suspensa até que a bola se imobilize ao lado da bandeira, para um easy birdie. A mim não me resta outra coisa senão fazer o humilde bogey da ordem, anotar os resultados e passar à frente. O momentum é dele.
Resultado: ALL SQUARE
Buraco 11
Par: 5
Distância: 513 metros
A vista a partir do tee é deslumbrante, com sete buracos espraiando-se à nossa frente. E, aparentemente, começa mesmo a jogar-se golfe no Twenty Ten Course. Ricardo sai à direita, mas corrige bem e chega ao green em três. Eu estou bem à segunda, ponho a bola no bunker à terceira, mas consigo o up-and-down. Dois pars. Ah, jogadores!
Resultado: ALL SQUARE
Buraco 12
Par: 4
Distância: 418 metros
Dois lagos e eu não metia lá nenhuma bola? Claro que meto: um belíssimo hook que me deixa em apuros logo à saída. Ele faz um bogey normal, ficando curto à segunda, fazendo chip e dois putts. Eu faço mais um duplo. É oficial: Ricardo está pela primeira vez a ganhar. E o problema é que ainda há uma série de lagos pela frente…
Resultado: RICARDO 1UP
Buraco 13
Par: 3
Distância: 172 metros
Haveria muito a dizer sobe este buraco, se não se desse a circunstância de as palavras não chegarem para exprimir a raiva. Permitam-me que não fale no score, a não ser para dizer que Ricardo me ganha por uma. O resto são os suspiros da ordem: “Mas qu’é isto, Jesus Cristo?!”, “O que é que se passa, meu Deus?!” No fim, é sempre Nosso Senhor quem nos vale…
Resultado: RICARDO 2UP
Buraco 14
Par: 4
Distância: 377 metros
Por esta altura já não tenho nada a perder: o mínimo que O Jogo pode fazer é despedir-me. De forma que, enquanto Ricardo bate um shot conservador à esquerda, acabando por cair no segundo lado, eu tento vencer o primeiro, faço par e lhe ganho o buraco. Epa, Ricardo, afinal este campo é para meninos…
Buraco 15
Par: 4
Distância: 344 metros
É o buraco assinatura do campo: um par 4 longuíssimo se jogado pelo fairway, mas com boa possibilidade de eagle se jogado por cima das árvores. Arriscamos os dois, ficando ambos a 20 metros do green – mas depois fazemos ambos pitch shot e três putts. É o green mais difícil do campo. Muitos corações se vão quebrar aqui em Outubro…
Resultado: RICARDO 1UP
Buraco 16
Par: 4
Distância: 464 metros
Par quatro longuíssimo, com vento contrário em versão rajada – isto joga-se para bogey e pronto. Eu bato dois bons shots, mas escolho mal o ferro do terceiro, passo o green e quase choro para safar um duplo. Ricardo abre bem, falha o segundo shot, mas mete a bola no green à terceira. Pronto, estou dormie. Como é que eu explico isto em Lisboa?
Resultado: RICARDO 2UP
Buraco 17
Par: 3
Distância: 192 metros
Par 3 compridíssimo – e a minha cabeça no cepo. Ricardo bate um ferro e, mesmo assim, passa o green. Eu bato uma madeira 3 e vou parar exactamente ao mesmo sítio. Ele faz chip e dois putts, eu salvo um up-and-down com um putt americano que me permite continuar vivo. Afinal, isto ainda não acabou, hã, Rickieboy?
Resultado: RICARDO 1UP
Buraco 18Par: 5
Distância: 560 metros
Lá ao fundo, o green parece já nem sequer estar em território galês. Ainda nos pomos os dois em posição de atacar o green à terceira, mas falhamos ambos pela esquerda, eu para a ribanceira e ele para o bunker. Ele põe a bola na água à quarta, eu dou minha melhor pancada do dia: um lob shot que me permite empatar o jogo. E se deixássemos isto assim mesmo, Ricardo?
Resultado: ALL SQUARE
RICARDO: “Já não consigo viver sem golfe”
Como recebeu o convite para ser o rosto da promoção da Ryder Cup em Portugal?
Foi uma coisa inesperada, mas não hesitei. Adoro este jogo e gostava muito de, naquilo que me fosse possível, contribuir para despertar essa mesma paixão nos mais novos.
Entre os golfistas amadores portugueses, é provavelmente um dos que têm a possibilidade de tocar mais pessoas. Sente essa responsabilidade?
É mais do que uma responsabilidade: é uma honra. Apesar de já termos o mais difícil de tudo, que são os campos magníficos, precisamos de pôr mais gente a jogar. O que se faz, em primeiro lugar, tirando da cabeça das pessoas a ideia de que isto é um desporto para velhos. Muita gente nem sequer tem ideia da dificuldade deste jogo, da competição que envolve.
É um jogo mais difícil do que o futebol?
É que não tem mesmo nada a ver. Para mim, é o desporto mais difícil de todos. Eu já pratiquei muita coisa. Já fiz rali, já fiz karting, já fiz motonáutica, agora sou profissional de futebol – sei bem do que falo. Às vezes, os amigos dizem-me: “Tu, que só praticavas desportos malucos, agora jogas golfe? Está muito mais calmo…” E eu só respondo: “Mais calmo? Mas isto é a maior maluquice que eu meti na vida…” Maluquice porque é um jogo dificílimo. E maluquice porque, quando se experimenta, já não se consegue viver sem ele. Hoje, por exemplo, é segunda-feira. Pois eu não jogava desde quinta e já estava angustiado.
Tem pena de só ter começado a jogar aos 30 anos?
Muita pena mesmo. É o que acontece com 99% das pessoas, aliás. Todos os golfistas passam a vida a dizer: “Que pena não ter começado mais cedo…”
Se tivesse começado mais cedo, podia ter sido profissional de golfe, em vez de profissional de futebol?
Talvez, não sei... Ser profissional de golfe é sempre muito difícil.
Nunca lhe passa pela cabeça profissionalizar-se depois de deixar o futebol?
É muito complicado. Em Espanha, o Guti, que tem o mesmo handicap que eu, já disse publicamente que, quando deixar o futebol, quer tornar-se profissional de golfe. Mas eu acho que uma pessoa tem de avaliar bem as coisas em que se mete. Os profissionais de golfe jogam com campos muito difíceis, à chuva e ao vento. Para além disso, têm de dedicar no mínimo seis horas por dia ao seu trabalho. Nós, futebolistas, mesmo que treinemos de manhã e à tarde, treinamos quatro horas – e já é um dia para rebentar. Eu adorava ser profissional de golfe. Mas tinha de ser dos bons – e isso sei que já não é uma possibilidade.
Pretende ser um amador de bom nível, portanto.
É o meu sonho. Adorava ser handicap 3, 4, no máximo 5. Para manter aquela coisa da competição que tenho dentro de mim.
Rui Jorge, que foi seu colega do Sporting, costuma dizer que não tem ansiedade competitiva no golfe, porque a esgotou no futebol. Não é o seu caso.
Não. Eu tenho mais ansiedade competitiva ainda. Este é um desporto que nos põe à prova de dois em dois minutos. É um desporto de muita concentração. A bola está ali, mas acertar naquela coisinha pequenina é muito difícil – e obrigá-la a fazer aquilo que queremos que fala, ainda mais.
Um guarda-redes é um mau exemplo, porque se sofrer um frango pode estragar um jogo. Mas, um médio centro pode falhar quinze passes e ainda ser o melhor em campo. No golfe não é assim.
Pois não. Basta falhar um shot. No futebol, é diferente. Correu-te mal, acorreste mal a um cruzamento, saíste fora da área e o tipo fez-te um chapéu – paciência, ainda podes ganhar o jogo. O golfe não te dá segundas oportunidades. Não tem nada a ver.
Quando tempo ainda espera jogar futebol?
Talvez mais uns três ou quatro anos. Tive um problema num joelho, ao longo do qual ainda pensei em parar. Mas agora está resolvido. Sinto-me bem e quero continuar.
Ainda pensa na Selecção Nacional de futebol?
Nunca vou deixar de pensar. Enquanto jogar futebol, vou pensar sempre.
Tem esperança de ir ao Mundial?
Neste momento, não. Tenho a noção de que, para ser uma opção válida, tinha de estar a jogar no meu clube.
Regressar a Portugal é uma hipótese?
É uma hipótese.
Mas há perspectivas? Neste momento, o Ricardo é demasiado caro para os clubes portugueses, não?
É um tema delicado. Mas tudo se contorna, quando há vontade. Eu saí porque tinha o desejo de experimentar uma liga nova. Claro que, em termos financeiros, a diferença foi significativa. Mas o facto é que já sei como é o campeonato espanhol.
Ainda gostava de voltar a jogar no Sporting?
Sem dúvida. Tenho saudades.
Soube que pretende, depois da carreira de futebolista, desenvolver projectos de caridade na área do golfe.
Sim. Não só de caridade, mas de solidariedade em geral. Inclusive entre golfistas, profissionais e amadores, que precisem de ajuda nas suas carreiras.
Que ideias tem?
Várias. Muitas ideias mesmo. Mas é preciso reunir tempo, vontades, colaborações… Logo vemos o que acontece.
Esta colaboração com a Ryder Cup pode ser uma boa aproximação a esses projectos?
Penso que sim. Há uma experiência que se vai acumulando, há contactos que vão surgindo... Este é “só” o terceiro maior evento desportivo do mundo. É preciso não esquecer isso. E atenção: nem sequer há prize money – os jogadores jogam só prestígio, o que é uma lição de vida para toda a gente que queira fazer uma carreira na área do desporto, qualquer que seja a modalidade.
O que achou deste Twenty Ten Course?
Magnífico. Já estou habituado a distâncias longas, mas estas são ainda mais longas. É um campo muito difícil. Tenho a noção que, se o jogasse outra vez, já o fazia melhor. Mas, em Outubro, vai estar ainda mais complicado, com o rough crescido e tudo…
Vem ao País de Gales ver a competição – é assim?
Ainda não sei se consigo. Estava a pensar meter uns meses de baixa, mas no futebol não se pode (risos). De qualquer forma, é uma coisa que já disse a mim mesmo: uma das primeiras coisas que quero fazer quando deixar o futebol é ver uma Ryder Cup e experimentar aquele ambiente. E ainda acho que, um dia, vou ver uma com um português em campo: o meu amigo Pedro Figueiredo.
Está preparado para colaborar na candidatura de Portugal à Ryder Cup 2018?
Claro. Em tudo o que for preciso. Tenho muita fé no êxito da candidatura. O mundo inteiro sabe que nós sabemos organizar competições de grande nível. Se é assim no futebol, porque é que não haveria de ser no golfe também?
38ª Ryder Cup
A Ryder Cup foi fundada em 1927 por Samuel Ryder. Disputa-se de dois em dois anos, alternadamente entre a Europa e os Estados Unidos. A equipa europeia começou por ser apenas formada por jogadores da Grã-Bretanha, alargando-se depois à Irlanda (1973) e ao resto da Europa (1979). Os Estados Unidos venceram 25 edições e a Europa 10, tendo-se registado 2 empates. Depois das vitórias da Europa em 2002, 2004 e 2006, os EUA venceram em 2008, sendo portanto os detentores do título para 2010.
CAMPO: Twenty Ten (Celtic Manor Resort, Newport, País de Gales)
DATAS: 1 a 3 de Outubro de 2010
PARTICIPANTES: 12 jogadores europeus (capitaneados por Sir Colin Montgomerie) e 12 jogadores americanos (capitaneados por Corey Pavin)
BILHETES: entre os € 34 e os € 1078, adquiríveis através de inscrição no site www.seetickets.com (cerca de 200 mil bilhetes de diferentes durações para sortear entre os inscritos)
REPORTAGEM. J (O Jogo), 4 de Abril de 2010