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31 Julho 2010

1. Um caddie como o José Carlos Fagundes não é apenas um caddie: é também um amigo – e é, sobretudo, um jogador de handicap 4, habituadíssimo a igualar o par do campo (e cheio de memórias, aliás, sobre os muitos dias em que o superou). De forma que jogar com ele no meu saco não foi apenas não foi só uma maneira de ver-me livre do peso dos tacos, mesmo que as subidas do 6 e do 7 do campo de golfe da ilha Terceira cheguem para deixar sem fôlego o Michael Phelps. Foi uma verdadeira experiência de golfe – e foi magnífica.

Ao longo de seis dias, incluindo sete rondas de 18 buracos (há várias notícia sobre as competições em causa noutros locais desta edição, embora muito me agradasse que não fizessem comentários sobre o resultado de pelo menos uma delas), eu joguei golfe acompanhado de um caddie. Fi-lo durante uma ronda de treino, voltei a fazê-lo durante quatro rondas na Pinales Cup Presented by Golfe Magazine, fi-lo de novo ao longo do Campeonato Nacional de Clubes Mid-Amateur e filo, ainda mais uma vez, em nova ronda de treino. E a questão que me coloco é simples: como deixámos nós, afinal, morrer essa maravilhosa arte do caddying, hoje circunscrita ao Estoril, ao Oporto e a pouco mais?

Porque um caddie é de facto um investimento, principalmente se contratado de forma esporádica, para uma ronda ou outra apenas. Mas são tantas as vantagens que nem sei como me deixei chegar ao desespero antes de experimentá-lo. Um caddie que conheça o campo em que se está a jogar ajuda em rigorosamente tudo. Às vezes nem sequer ajuda: decide – e está quase sempre certo. O taco a jogar, o voo a escolher no ataque ao green, o contacto a aplicar num rough pesado, a linha a procurar num green difícil – um bom caddie sabe tudo. No fim, voltamos a jogar mal, mas apenas porque é assim que jogamos mesmo: mal. Pelo meio, tivemos com quem conversar, tivemos quem nos passasse uma água fresca após um mau shot e tivemos ainda quem nos falasse do tempo e do futebol e da crise internacional antes de uma pancada exigente, cheia de perigos.

Pode custar cinquenta euros, um caddie. Pode custar trinta e pode custar oitenta – e pode mesmo custar cem, duzentos, até trezentos, consoante o tempo que precisemos dele e as deslocações que ele tenha de fazer por nós. O facto é que, dando o passo à medida da perna, não há outra coisa senão benefícios em usar um caddie. Bater na bola e mais nada – eis o que sobra para nós. Sobra o golfe. Porque é que andamos todos aqui senão por isso?

 

2. De resto, e ao fim de uma semana de golfe nos Açores, a conclusão a que um homem chega é simples: ninguém joga golfe em Portugal como os açorianos, ninguém respira golfe como eles – e muito triste é esse homem lembrar-se que também é açoriano e, no entanto, não joga nem respira como os seus conterrâneos. Primeiro, na Taça Pinales, feita à imagem e semelhança da Ryder Cup (com a excepção de que metade dos matches eram jogados em net), um resultado esmagador: 22 pontos para o Grupo da Saca (da ilha Terceira) e escassos 6 para o 7Abaixo (da Aroeira). Depois, e no Interclubes Mid-Amateur, ao mesmo tempo um desagravo e uma recarga: Terceira em primeiro, São Miguel em segundo e doze equipas do continente nos restantes lugares da classificação.

É verdade que o golfe, nos Açores (sobretudo na Terceira e nas Furnas) tem as suas especificidades. É verdade que a relva é diferente, que os roughs húmidos implicam um touch completamente diferente, que a mais pequena variação na humidade relativa (e como as há nos Açores, de instante para instante…) não só condiciona as distâncias no fairway como, inclusive, muda radicalmente as velocidades no green. Mas não deixa de ser encantador assistir a um duelo daqueles. Primeiros a bater: os continentais, todos aprumadinhos, pólo da Ashworth, pantalona da Boss, um swing de ensaio prodigioso, todo cheio de estilo – e, no fim, como se fosse inevitável, o bogey da praxe. Últimos a subir ao tee, depois de terem dado a honra ao adversário: os açorianos, camisas um tanto garridas, tacos do tempo da Maria Caxuxa, grips invertidos, swings de ensaio todos tortos – e aí está o primeiro birdie do dia.

“É a diferença entre o golfe e o golf”, diz um amigo meu. E a maior mágoa que eu tenho é a de não ter sido eu a inventar a frase.

SCORECARD. Golfe Magazine, Julho de 2010.

publicado por JN às 23:53

18 Julho 2010

É inglesa, tem 36 anos e especializou-se em Psicologia Desportiva Aplicada e Programação Neurolinguística. Na sua rotina, e para além das consultas em Londres, estão uma série de viagens à volta do mundo, acompanhando golfistas de todas as categorias e vocações. Um deles é Filipe Lima, o jogador português mais bem cotado no ranking mundial (e, de resto, novamente em dificuldades para segurar o seu cartão do European Tour).

 

“Apaixonada por desporto” e “altamente determinada  a ajudar os desportistas de elite a atingir performances sustentadas que lhes permitam pôr em prática o seu verdadeiro potencial”. Assim se define, no seu próprio curriculum vitae, Zoe Chamberlain, a psicóloga de Filipe Lima (e agora também de Ricardo Santos). Começou como proprietária de uma loja de alimentação natural, com a qual começou a receber prémios nacionais logo aos 18 anos, mas encantou-se com o golfe, começou a jogar e a ganhar torneios – e em breve estava a percorrer a via sacra académica em direcção ao estatuto de consultora psicológica desportiva que hoje o European Tour lhe reconhece. Nesta entrevista à J, resguarda-se no sigilo profissional e não explica se Filipe Lima está psicologicamente melhor ou pior do que quando começou a trabalhar com ela, no ano passado. Mas insiste que, depois da garantia de capacidade física e técnica, o maior desafio de um golfista é ser capaz de replicar em condições de torneio aquilo que faz no driving range. E que, para isso, a psicologia é fundamental.

Filipe Lima tem-se colocado este ano, durante as primeiras rondas de diferentes torneios, em posição de discutir a vitória, mas se chega a passar o cut acaba quase sempre por afundar-se no fim-de-semana. É um problema psicológico?

Infelizmente, não posso responder a questões específicas sobre o Filipe. A confidencialidade profissional é extremamente importante para um consultor psicológico desportivo. Sigo-me pelo código da British Association of Sport and Exercise Sciences, que é rigoroso.

Certo. De qualquer forma, muitos defendem que, do ponto de vista técnico, Filipe Lima é capaz de muito mais do que aquilo que tem produzido. O que é que lhe falta? Confiança?

Não posso mesmo comentar. Mas sei que ele é um jogador de classe mundial e que está a trabalhar duro para melhorar todos os dias.

Há quem argumente que a rotina dele, viajando frequentemente com a família e deixando-se seguir por ela ao longo de algumas rondas, prejudica a sua concentração. É justo dizer isso?

Insisto: não posso comentar.

Muito bem. Como chama aos jogadores com que trabalha: “clientes” ou “pacientes”?

Chamo-lhes “clientes”. Chamo-lhes “jogadores que escolhem, por auto-recreação, trabalhar comigo no sentido de melhorar a sua abordagem psicológica ao jogo”. Um paciente é alguém a receber tratamento médico. Não administro tratamento médico. Nem sequer estou qualificada para isso.

Bobby Jones costumava dizer que “o golfe é um jogo disputado num campo de dez centímetros: a distância entre as nossas duas orelhas.” É verdade? Quão importante é, no fundo, a psicologia no golfe?

O golfe é uma modalidade extremamente técnica e, sem uma boa técnica, nenhum jogador tem possibilidades de ser bem sucedido. Por outro lado, ter uma boa técnica no driving range é irrelevante se não se conseguir replicá-la depois em condições de torneio, sob pressão. É aqui que muitos golfistas falham. Todos os desportistas de topo enfrentam problemas psicológicos com relativa regularidade. No golfe, porém, é pior, porque há muito tempo para pensar entre shots. E é precisamente na forma como se usa esse tempo que pode residir a solução. Porque, ao contrário de uma série de outros desportos, como o futebol ou o ténis (que têm uma grande componente de reacção), no golfe é sempre o jogador a decidir exactamente quando vai executar o seu shot. É fundamental escolher o momento certo, o momento em que a mente e o corpo estão preparados para entrar em acção.

Em que medida um golfista é diferente de outro desportista qualquer?

Um golfista é parecido com qualquer outro desportista. O jogo é que é diferente.

Tem clientes de outros desportos?

Sim. Trabalho com desportistas de várias outras modalidades, incluindo o futebol, o cricket, o ténis e  o tiro. Muitos dos princípios que uso no golfe também se aplicam a essas modalidades. A minha base de trabalho é ajudar os atletas a perceber o que fazem quando jogam bem e o que devem fazer para conseguir repetir esse momento. Está tudo na consciência: quando mais altos os níveis de consciência, melhor. E o segredo reside quase sempre na rotina pré-performance, no golfe tanto quanto nos outros desportos. Agora, é claro que é muito importante que eu perceba as exigências individuais de cada modalidade e de cada atleta, tanto a nível físico como psicológico. O caso do golfe, por exemplo, é excepcional no que diz respeito à longevidade de uma carreira. Na maior parte dos outros desportos, um jogador já está retirado quando chega a meio da casa dos 30 anos. Se estiver bem fisicamente, um golfista pode jogar muito mais tempo. Isso é uma questão muito importante.

Receita medicamentos? Ou limita-se a falar com os seus clientes?

Falo um pouco, mas sobretudo ouço. Faço perguntas que os ajudam a perceber o que fizeram bem e como ainda podem melhorar isso que fizeram bem.

Tem havido algum debate sobre que tipo de drogas devem ser consideradas doping no golfe. Aparentemente, aquilo de que um golfista podia precisar é diferente daquilo de que tantos outros desportistas precisam. No fundo, drogas para relaxar, não para excitar. Quais são exactamente, na sua opinião, as substâncias que podem potenciar a performance no golfe?

Não é a minha área de especialidade. O ideal, quanto a isso, é falar com um médico ou um nutricionista.

Qual é a sua rotina? Viaja muito com os jogadores ou eles vão visitá-la a Londres?

Viajo com frequência para torneios do European Tour e do Challenge Tour, de forma a poder corresponder às necessidades dos mes clientes e de poder assistir ao seu trabalho de forma regular. Estou com eles no putting green, no driving range, na clubhouse, nas voltas de treino…Mas também os recebo em Londres, claro. Encontrarmo-nos longe dos torneios também é muito importante, sobretudo na hora de fazer balanços.

Como se interessou por esta área? Jogava golfe? O que estudou, exactamente?

Comecei a jogar golfe pouco depois dos 20 anos e fiquei logo “agarrada”. A certa altura, pensei em mudar alguma coisa na minha carreira e decidi que queria tornar-me consultora psicológica desportiva. Fui para a universidade e fiz uma licenciatura em Performance Desportiva, o que me deu uma boa noção do que é a ciência desportiva, incluindo a Psicologia. Depois continuei a estudar Psicologia Desportiva Aplicada, incluindo um mestrado em Programação Neurolinguística. Para além disso, fiz alguns estudos suplementares de hipnoterapia e aconselhamento.

Que tipo de exercícios põe os jogadores a fazer?

Para além das perguntas que faço, destinadas a incrementar a consciência, recomendo uma série de estratégicas e técnicas destinadas a ajudá-los a chegar ao ponto certo – aquilo a que chamamos, em inglês, “to get into the zone”. Às vezes é preciso relaxar, outras é fundamental endurecer. Regra geral, o mais importante é ajudá-los a obrigarem-se a si próprios a jogar um shot de cada vez. Quando um golfista está verdadeiramente no presente, não é afectado nem por maus shots do passado nem pela ansiedade de uma vitória futura.

Quais são as diferenças entre um golfista profissional e um gofista amador? Os seus ensinamentos podem ser úteis a um amador também?

Não há muita diferença. Inclusive, também trabalho com amadores. A única distinção importante é que, para além das viagens e da atenção dos media, os profissionais estão a tentar ganhar a sua vida com o golfe. Isso é relevante também.

Quem são exactamente os seus clientes no golfe?

Para além de alguns amadores ingleses, trabalho com profissionais do European Tour e do Challenge Tour e com algumas senhoras do Ladies European Tour e do Asian Tour. Graças às novas tecnologias, consigo manter contacto regular com todos. O Skype é-me particularmente útil.

Já foi contactada por outros golfistas portugueses, para além de Filipe Lima?

Sim. Desde Maio que estou a trabalhar também com Ricardo Santos.

Como articula o seu trabalho com os restantes treinadores e consultores de cada golfista? Com que frequência fala com os treinadores de swing, os preparadores físicos, os nutricionistas…?

Sempre que visito um torneio, tento encontrar-me com todos eles. Incluindo o caddie, que também é muito importante. Para além disso, o meu marido é nutricionista e também trabalha com vários golfistas. Tenho a vantagem de vê-lo com bastante frequência. (risos)

Diz Bob Rotella, um decano da psicologia aplicada ao golfe, que este jogo se resume “à forma como aceitamos, respondemos e potenciamos os nossos falhanços”. O golfe é sobretudo a capacidade de gerir a frustração?

A aceitação é essencial no golfe – e ela assenta na forma como cada golfista responde às diferentes situações de desafio. Um jogador pode escolher ficar chateado e frustrado ou, pelo contrário, seguir em frente. Essa escolha é totalmente da sua responsabilidade. Mas, quanto mais ele for capaz de aceitar, melhor vai responder ao shot seguinte. Quando se é afectado negativamente por eventos já passado, é muito mais difícil manter o foco.

É uma seguidora da escola de Bob Rotella? Quais são as principais correntes existentes nesta área?

Li alguns dos seus livros e acho que os seus ensinamentos são bastante humanistas. A minha visão é sobretudo holística. Tento ver também o homem por detrás do golfista. Tento saber o que acontece em casa, o que acontece nas outras áreas da vida dele. Tudo isso fará parte da abordagem que ele vier a fazer ao jogo. Se um golfista não estiver feliz, o mais provável é que isso se reflicta na sua performance. Até nessas áreas posso trabalhar. Há metodologias para isso.

O que acha de “O Segredo” e de outros grandes sucessos editoriais na área da auto-ajuda? Os livros de auto-ajuda favorecem ou prejudicam o trabalho de um psicólogo desportivo?

Alguns livros de auto-auda que li reforçam, de facto, qualidades chave para o sucesso. Mas só quando um golfista verdadeiramente vive de acordo com os princípios mais importantes é que isso vai produzir efeitos práticos e duradouros na sua área de actividade profissional. Embora alguns livros de auto-ajuda possam colaborar, estou convicta de que os seus efeitos são fugazes. Podem é, claro, ser potenciados depois, com a ajuda do psicólogo.

O que faria com Tiger Woods? Como lidaria com o caso dele?

Bom, eu não faço nada “aos” golfistas. Eles é que têm de querer atravessar um processo comigo. Mas, no caso de Tiger, eu tentaria saber tudo o que se passou, tanto na sua vida como na sua carreira, e a forma como isso está a afectá-lo, tanto dentro como fora do campo. Depois tentaria perceber quais são as suas necessidades individuais e como poderia eu ajudá-lo, tanto no golfe como do ponto de vista pessoal.

Segundo se tem apercebido, até que ponto a experiência de Tiger tem sido importante para outros golfistas? De que maneira a situação está a afectá-los? Que preocupações têm eles demonstrado – e de que forma isso está a afectar as suas rotinas?

De início, muitos ficaram chocados por o golfista perfeito ter cometido um erro ético. Agora que a poeira assentou, o golfe já seguiu em frente. Acho que a situação de Tiger, na verdade, tem muito pouca influência entre a maioria dos golfistas profissionais. Quanto a ele, porém, penso que a questão essencial é: “Será que ele ainda vai conseguir bater o recorde de Jack Nicklaus?” E eu acho que, se ele se conseguir aceitar como pessoa, conseguir fazer o luto do seu passado e conseguir manter o desejo e a motivação, vai.

ENTREVISTA. J (O Jogo), 18 de Julho de 2010

publicado por JN às 23:47

04 Julho 2010

Não haverá grandes celebrações em torno do 120º aniversário do nascimento do golfe em Portugal. Mas a efeméride aí está – e nas suas entrelinhas é possível encontrar dez datas importantes que contam, também elas, a história da modalidade no nosso país. Uma história cheia de vitalidade, a que falta agora a capacidade para conquistar um número de praticantes vagamente correspondente ao número de campos (e mesmo de clubes) existentes

 

Passaram-se 120 anos entre o momento em que a comunidade inglesa do Porto, a mesma que nos trouxe o ténis e o râguebi, introduziu o golfe em Portugal e aquele em que foi finalmente inaugurado o primeiro campo de golfe público no nosso país (concretamente a Academia de Golfe Municipal de Cantanhede). Na hora do balanço, “o saldo é necessariamente positivo”, como diz Pedro Vicente, agora em transição entre os cargos de secretário-geral da Federação Portuguesa de Golfe e assessor da Presidência da mesma instituição.

A data será celebrada com parcimónia, à medida de um tempo de crise, constando sobretudo na realização, em Setembro, de um grande torneio no Oporto Golf Club, com a participação de uma série de convidados estrangeiros. Entretanto, porém, é possível identificar, ao longo dessa história metacentenária, as dez datas que mais contribuíram para o desenvolvimento da modalidade em Portugal – e que, aliás, nos trouxeram até aos números que hoje reflectem a realidade do golfe nacional. Próximo desafio: conquistar mais portugueses para a prática daquele a que tantos já chamaram “o melhor desporto do mundo”.

 

1890

FUNDAÇÃO DO OPORTO

Membro da comunidade inglesa do Porto, grande parte dela dedicada à exportação de vinho do Porto, Charles Neville Skeffington funda o Oporto Golf Club, então ainda com o nome Niblicks Golf Club. O campo, de nove buracos, é instalado na freguesia de Silvade, a cerca de 800 metros da antiga praça de toiros de Espinho. Tinha 2027 de distância máxima e era atravessado, no fairway do buraco 7, pela linha férrea Lisboa-Porto. Os jogadores vinham do Porto, atravessavam o Douro de barco para Gaia, apanhavam o comboio para Sul e depois ainda iam a pé para o campo. Conta-se que, ao saírem do comboio, já vinham jogando pelo caminho – e que, no regresso, saíam a jogar também, apostando em quem chegava com menos pancadas ao Café Chinez. Um ano depois é criada a Taça Skeffington, o mais antigo torneio do mundo em disputa ininterrupta.

 

1907

BENEPLÁCITO RÉGIO

D. Manuel II passa por Espinho e pára para jogar umas quantas partidas. É a primeira vez que a corte dá atenção pública à modalidade, oferecendo-lhe assim o seu beneplácito. Por esta altura já há mais dois campos no Norte, um no Porto (cinco buracos) e um em Matosinhos (nove buracos). O Niblicks já havia ganho o actual nome, Oporto Golf Club – e o campo em que jogava também já era o actual, embora com apenas nove buracos (par 36). A modalidade alastrara-se também, entretanto, a Lisboa, onde o Lisbon Sports Club, embora com existência para já informal, ia percorrendo a região (Campo Pequeno, Algés, Carcavelos…) à procura do local ideal para jogar. O clube apenas será oficialmente fundado em 1921, só se instalando na Quinta da Carregueira, em Belas, em 1964. E ainda seria preciso esperar até 1992 para que o actual traçado de 18 buracos estivesse em funcionamento.

 

1936

BENEPLÁCITO REPUBLICANO

Já com a prática do golfe alargada ao Estoril (embora o Clube do Golf do Estoril só viesse a ser fundado em 1945) e com um segundo clube a funcionar em Espinho (o Miramar), a República dá pela primeira vez atenção pública à modalidade em 1936, oferecendo-lhe, também ela, a sua ratificação. É, aliás, o próprio Óscar Carmona, Presidente da República, quem procede à inauguração do campo de nove buracos do Grande Hotel de Vidago, região onde a comunidade inglesa do Porto gosta de banhar-se nas termas. Serão novamente os ingleses, de resto, a promover ainda o alargamento do golfe ao arquipélago da Madeira, onde um ano depois é inaugurado o Santo da Serra Favellas Golf Club, com um percurso também de nove buracos. Neste caso, a primeira pancada do campo pertence a J.H. Taylor, cinco vezes campeão do British Open.

 

1939

PORTUGUESES ENTRAM EM ACÇÃO

O golfe já tem, por esta altura, quase 50 anos de existência em Portugal. Mas só então se verifica a inauguração de um campo e de um clube sem a influência directa de qualquer comunidade inglesa: o Campo de Golfe Terra Nostra, situado na freguesia das Furnas, na ilha de São Miguel, e criado por iniciativa de Vasco Bensaúde, referência maior daquele que ainda hoje é o maior grupo económico dos Açores. Ainda assim, e embora Portugal dispusesse por esta altura de sete campos, a vitalidade do jogo está mais ou menos circunscrita ao Porto e a Lisboa, que entretanto começam a disputar entre si a Taça Kendall. É precisamente a partir dessa taça que vem a nascer o actual Campeonato Nacional Individual Absoluto.

 

1949

CRIAÇÃO DE UMA FEDERAÇÃO

Ao fim de 60 anos, o golfe ganha finalmente uma associação oficial. A Federação Portuguesa de Golfe é criada a 20 de Outubro, por iniciativa do Oporto, do Lisbon, do Miramar e do Estoril. A sede é instalada no edifício do Clube de Golf do Estoril e o primeiro presidente é Ricardo Espírito Santo Silva. António Mascarenhas, Nuno Brito e Cunha, Visconde de Pereira Machado (que chegaria a ser ainda Presidente da Associação Europeia de Golfe), Fernando Cabral, Tito Lagos e José Roquette viriam a constituir alguns dos seus sucessores. Entretanto, é lançado o Open de Portugal, a primeira grande competição portuguesa para profissionais, que a partir de 1953 é realizada anualmente no Estoril.

 

1966

O NASCIMENTO DO ALGARVE

Sir Henry Cotton, tricampeão do British Open, lança o primeiro campo de golfe do Algarve: o Penina, de imediato considerado um dos melhores traçados da Europa continental. O próprio Henry Cotton desenhará, dois escassos anos mais tarde, o primeiro campo de Vale de Lobo. Em 1969 será ainda lançado o primeiro traçado de Vilamoura, hoje chamado Old Course. Os turistas ingleses começam a afluir com cada vez mais assiduidade à região, delirantes com a possibilidade de jogarem ao longo dos 12 meses do ano. A imprensa britânica não se cansa de elogiar as condições para a prática da modalidade em Portugal. O Algarve Open, realizado anualmente entre 1969 e 1972, começa a ganhar mais projecção internacional até do que o Open de Portugal. A região virá a tornar-se, ao longo das décadas seguintes, num dos mais apreciados destinos turísticos de golfe do mundo.

 

1973

AUTONOMIZAÇÃO DA FPG

Depois de mais de 20 anos a funcionar no edifício do Estoril Golf Clube, a Federação Portuguesa de Golfe dá o seu grito do Ipiranga e instala-se numa infra-estrutura cedida por uma empresa comercial, autonomizando-se formalmente dos clubes que a fundaram. Cinco anos depois, e ainda na ressaca daquele que foi um dos períodos mais duros da existência da modalidade em Portugal (o PREC, incluindo contestações classistas de diversa ordem e, até, a ocupação dos terrenos de vários campos), a FPG seria reconhecida com o estatuto de Utilidade Pública. Os dois momentos viriam a verificar-se fundamentais para a disseminação da prática da modalidade e para a criação de uma estrutura técnica profissional na Federação.

 

1976

ORGANIZAÇÃO DO CAMPEONATO DO MUNDO

Portugal recebe pela primeira vez o Campeonato do Mundo por equipas, naquele que é então o primeiro grande teste à sua capacidade organizativa nos domínios do golfe. Entre as equipas participantes, está Israel – e as preocupações de segurança são tais, tendo em conta o Massacre de Munique ocorrido quatro anos antes, que os jogadores israelitas jogam escoltados por soldados armados com metralhadoras. Por esta altura, o Open de Portugal já faz parte do calendário do European Tour, criado entre 1971 e 1972. Mais tarde virão a surgir o Open da Madeira e o Portugal Masters, este hoje uma das provas mais importantes do calendário Europeu. Em 2005, Portugal receberá a Taça do Mundo, então a contar para os World Golf Championships. E, não muito tempo depois disso, lançará ainda a candidatura à recepção da Ryder Cup 2018.

 

1981

AS MUDANÇAS DE JOSÉ ROQUETTE

Quinze anos antes de candidatar-se à presidência do Sporting, José Roquette chega à direcção da Federação Portuguesa de Golfe – e, então, muda quase tudo. Beneficiando da recente autonomização da estrutura, assim como o seu reconhecimento com o estatuto de Utilidade Pública, harmoniza as categorias de praticantes amadores pelas normas internacionais e cria uma estrutura profissionalizada de apoio à modalidade nos escalões juvenis. Rapidamente são criadas as primeiras escolas de golfe nacionais, concretamente em Espinho e no Estoril. E é também em resultado dessa posta,  que virá a ser fundado, em 1997, o Circuito Drive, envolvendo mais de 900 praticantes, distribuídos por 24 centros de aprendizagem. É ele a base da actual vitalidade do jogo entre os mais jovens.

 

2004

LANÇAMENTO DO DATAGOLF

O número de campos cresce a um ritmo avassalador. Embora as prestações dos profissionais portugueses não consiga nunca sair da mediania, as grandes competições realizadas em Portugal vão ganhando crescente prestígio internacional. As selecções nacionais juvenis começam a conseguir cada vez mais brilharetes no estrangeiro. E, perante o crescimento a bom ritmo do número de golfistas amadores nacionais – e o crescimento frenético do número de clubes – a FPG lança o Datagolf, um programa informático da autoria de Luís Moura Guedes, que vem permitir uma gestão harmonizada dos handicaps. O número de competições amadoras dispara E o Datagolf é, inclusive, exportado para outros países. A Federação começa, entretanto, a trabalhar com mais intensidade no projecto para a disseminação de uma rede de campos públicos e de baixo custo, de que a Academia Municipal de Golfe de Cantanhede vem a ser o primeiro exemplo concretizado.

FEATURE. J (O Jogo), 4 de Julho de 2010

publicado por JN às 11:17
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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003) e “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado... (saber mais)
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