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01 Setembro 2009

Em Portugal, meia dúzia de ambientalistas de pacotilha conseguiram fazer parar a construção do novo campo de golfe público do Jamor. Na Venezuela, um socialista de polichinelo nacionalizou mais três campos de 18 buracos, em cujos terrenos pretende agora instalar parques infantis, bairros sociais e/ou campus universitários. De repente, o maravilhoso jogo dos greens e dos fairways parece mais cercado de inimigos do que nunca. O mais provável é que o esteja mesmo. E o que isso demonstra, necessariamente, é que a modalidade vive um dos melhores momentos da sua já longuíssima história.

A recessão internacional deixou a banca e a indústria automóvel em mau estado – e não é sem esforço que o golfe profissional tem vindo a resistir ao declínio da publicidade e do marketing. A seguir veio a gripe A, empenhada em destruir tudo o que de turismo houvesse conseguido sobreviver à recessão – e não tardou a que o golfe amador se visse a braços com maiores ameaças ainda do que aquelas que atingiam o profissional. E, no entanto, vai-se à lista dos atletas mais bem pagos do mundo, e Tiger Woods continua a liderar, com mais do dobro dos ganhos do segundo classificado, um pugilista. Entretanto, vai-se aos cem primeiros jogadores do ranking mundial, e não raras vezes se consegue encontrar ali golfistas de 20, 25, mesmo 30 nacionalidades diferentes.
O golfe é hoje um desporto global, com implantação por todo o mundo desenvolvido e um número crescente de praticantes em quase todo o mundo em vias de desenvolvimento. Não tem grande penetração em África, é verdade, mas isso há muitas outras modalidades que também não têm, das mais elitistas (como o ténis ou o pólo) às mais populares (como o ciclismo ou a natação). De resto, o golfe é rei na Europa, rei nos Estados Unidos, rei na Ásia e rei, mesmo, na América Latina. Se não é rei, é pelo menos príncipe. Se não é príncipe, é pelo menos marquês. É desporto a ter em conta, no fundo. Mais do que isso, aliás: é, em quase todos os casos, o desporto com maior grau de progressão nas últimas décadas.
É isso que irrita os ambientalistas – e é isso que irrita também os “novos socialistas” (a expressão é de Hugo Chávez, não minha). Curiosamente, o golfe cresce na China e torna a desenvolver-se em Cuba, mostrando-se absolutamente recomendável entre “velhos socialistas”. Mais curiosamente ainda, os ambientalistas portugueses aborrecem-se porque os golfistas da Grande Lisboa vão passar a ter um campo de golfe de 18 buracos a baixo preço, mas persistem num estranho silêncio, por exemplo, em relação ao mega empreendimento imobiliário de Tróia. Tontice a do Instituto do Desporto, claro: esqueceu-se de guardar no Jamor um canteiro de ervas daninhas a que se pudesse chamar “centro de interpretação ambiental”…
Complexo classista? Pois claro. Por outro lado, uma comparação entre o golfe e (por exemplo) o futebol, justamente chamado em Portugal de “desporto rei”, não deixa de revelar alguns pormenores curiosos – sobretudo para quem conhece um pouco de História. Inventado nos colégios ingleses, o futebol começou por ser um jogo de aristocratas, que só mais tarde o povo adquiriu. Inventado por pastores nos baldios da Escócia, o golfe começou por ser um jogo do povo, que só muito depois a aristocracia avocou. O que cada um deles mudou no coração dos convertidos, não sei. Sei que, se alguém alguma vez conseguiu comprar alguém, foi a nobreza a comprar a indulgência do povo com o futebol – e nunca o povo a comprar a indulgência da nobreza com o golfe.
No mundo do século XXI, sobra a boa vontade e escasseiam as boas intenções. Entretanto, entretemo-nos a vetar projectos, a impedir a criação de postos de trabalho e a promover o desperdício de milhões. Em nome do quê? Da boa vontade, diriam eles. Do complexo classista, diria eu. O que, no fim, significa a mesma coisa, independentemente do nome que se lhe dê: significa que, entre o sexo e a pornografia, continuamos a preferir uma boa pornochanchada. O que este século quer é bater boca – e pronto.

CRÓNICA DE GOLFE ("Tee Time"). Jornal do Golfe, Setembro de 2009

publicado por JN às 15:51

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Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003) e “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado... (saber mais)
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