“Tradicionalmente, uma mulher que case com um golfista tem apenas três hipóteses para ocupar condignamente os seus fins-de-semana”, diz Fernanda Leiras, 41 anos e handicap 29. “Ou se junta a ele em campo, ou troca de marido – ou, então, não casou por amor e, de cada vez que o marido vai jogar, é uma bênção em casa.” Pois o estigma começa finalmente a mudar. Todas as mulheres portuguesas, casadas ou não com golfistas, têm agora à disposição uma quarta hipótese ainda: um circuito de golfe só para elas, sem anedotas misóginas ou expressões jocosas como “viúvas de golfe” – e, aliás, com pompa e circunstância suficientes para persuadir os maridos e os namorados a, de vez em quando, serem eles próprios a ocuparem-se das crianças durante um fim-de-semana.
A experiência arrancou em 2009 – e tem sido um sucesso. Por iniciativa de Francisca Osório, dirigente do Nortada Golf Club e nova responsável pelo também novo departamento para o Desenvolvimento do Golfe Feminino, da Federação Portuguesa de Golfe, foram realizados no ano passado três torneios, o primeiro com 25 senhoras inscritas, o segundo com cerca de 30 e o último já com mais de 50. A ideia é promover agora a criação de um verdadeiro circuito, incluindo diferentes torneios, diferentes modelos de classificação, diferentes competições anuais e diferentes campeões anuais também. “A resposta das senhoras foi fantástica, não só no que diz respeito a jogadoras experimentadas, mas também no que concerne às iniciadas, que encontraram, de repente, um incentivo à sua integração”, diz Francisca.
Fernanda Leiras, delegada comercial, divorciada e com um filho, foi uma dessas iniciadas a aderir. Golfista há três anos, recebeu um SMS com a marcação do primeiro torneio – e inscreveu-se de imediato. Sócia do ACP Golfe, chegou a suspender a actividade na segunda metade de 2009, “por motivos financeiros”, mas ainda dedicou uma semana de férias a trabalhar gratuitamente como marshall no Portugal Masters, só para manter-se perto do golfe. Agora, quer competir no circuito feminino todo em 2010. “Foi tudo muito bem organizado e as senhoras estavam muito motivadas. Às vezes diz-se que as senhoras não gostam de golfe, mas não é assim. Na verdade, ninguém que não conheça o golfe gosta dele. O golfe é como a comida japonesa: é preciso experimentar várias vezes até lhe tomar o gosto. Só que, depois, não se quer outra coisa.”
Experiência semelhante viveu Elza Alves, 37 anos, separada, também mãe de um filho e também voluntária no Portugal Masters. Sócia do Citynorte, Elza participou igualmente apenas no primeiro torneio do ano, em que de resto acabou em segundo lugar – mas espera também fazer o circuito completo em 2010. “As mulheres têm menos disponibilidade. Quando ambos os elementos de um casal jogam golfe e há filhos pequenos, é natural que seja a mulher a abdicar da modalidade para ficar a cuidar das crianças. Se a mulher vive sozinha com a criança, pior ainda. Mas a Francisca está a fazer um bom trabalho no desenvolvimento de soluções à nossa medida – e é natural que apareçam cada vez mais senhoras interessadas neste circuito. Nós também adoramos jogar golfe”, explica.
Chegada ao golfe há seis anos, Francisca Osório começou na direcção do Nortada Golf Club, passou a acumular a tarefa com a vice-presidência da Associação de Golfe do Norte de Portugal – e, entretanto, foi recrutada por Manuel Agrellos para integrar a estrutura directiva da FPG. Em pouco tempo, contactou clubes, patrocinadores e jogadoras – e, no fim, nem sequer se esqueceu de reservar um tanto para a beneficência, na intenção clara de sublinhar as preocupações sociais das golfistas portuguesas. Nos torneios de 2009, as tômbolas de prémios não ofereciam drivers, fins-d-semana no Algarve ou test drives com os últimos modelos das melhores marcas automóveis: ofereciam spas, tratamentos de beleza, artigos para o lar, pijamas de senhora e até cestas de fruta. E cinco euros de cada inscrição reverteram para a Associação Laço, centrada na luta contra o cancro da mama.
"Desde o início quisemos associar este circuito a uma causa importante. Tendo tido conhecimento de que, no ano anterior, o Clube de Golfe do Estoril se tinha já associado à Laço para um primeiro torneio conjunto, entrei em contacto com a Teresa Matta [capitã de equipa de Senhoras do Estoril GC, ndr], mostrando interesse em participar nesse evento, onde poderia fazer entrega do valor angariado no Circuito de Golfe Feminino do Norte”, conta Francisca. “Uma pequena delegação do Norte, composta pela Mafalda Magalhães e por mim, teve o prazer de estar presente na segunda edição desse magnífico evento, que se realizou em Novembro.” Ao todo, e neste primeiro ano, foram reunidos menos de 500 euros – mas a ideia é exponenciar esse valor no novo ano.
Clínica Luso-Espanhola, Well Domus, Jobs, Diafresh, Aquafalls Hotel & Spa, Aquapura, Malo Clínica, Jornal do Golfe, Golfe No Centro e Portal do Golfe foram apenas algumas das marcas e empresas que já aderiram ao projecto, na qualidade de parceiras. Marta Vasconcelos, vice-campeã nacional amadora, Mariana Martins, Rebeca Ferreira, Cândida Santos e Maria Ferraz algumas das jogadoras das orlas da alta competição que aceitaram participar nos torneios. “Os clubes, esses, mostraram uma receptividade incrível. Já fomos informadas, inclusive, da existência de imensos outros campos interessados em receber provas do circuito”, diz Francisca. O calendário de 2010 ainda não está definido, mas já se sabe que integrará o Torneio da Associação Laço e terminará, como o de 2009, com o Campeonato do Norte de Senhoras, a disputar em princípio a 10 de Outubro, no campo de golfe da Quinta da Barca. As interessadas poderão obter mais informações sobre o projecto em www.fpg.pt e www.agnp.pt.
Reforçar o intercâmbio com jogadoras estrangeiras, já esboçado com o convite a uma delegação de golfistas galegas no Campeonato do Norte do ano passado, será um dos caminhos para 2010. Tornar o Campeonato Nacional de Senhoras independente dos congénere masculino, um dos objectivos a médio-longo prazo. Na agenda estão ainda o incentivo aos clubes para criarem os seus próprios campeonatos femininos e a criação de um match anual entre senhoras do Norte e do Sul do país. “Todo este trabalho é apresentado nas reuniões mensais da FPG. Sinto-me a porta-voz das golfistas portuguesas. Nem sempre é fácil ser a única mulher numa direcção de homens”, explica Francisca. “Mas tenho tido um apoio incondicional do Eng. Manuel Agrellos. O meu colega Júlio Mendes é um dos meus maiores defensores e a Vanessa Velosa a minha grande aliada. Todos na direcção são unânimes em reconhecer a importância deste projecto”, acrescenta.
UM PALMARÉS EM FORMAÇÃO
Três torneios deixam para a história os primeiros nomes inscritos no palmarés do circuito. O Norte parte à frente, mas a ideia é alargar a iniciativa a todo o país.
1º TORNEIO DO CIRCUITO GOLFE NO FEMININO
Quinta do Fojo, 8 de Março de 2009
CLASSIFICAÇÃO STABLEFORD NETT
POS. NOME CLUBE HCP PONTOS
1ª Maria Ferraz Quinta da Barca 9 34
2ª Elza Alves Citynorte 26 33
3ª Ana Sofia Pinto Quinta do Fojo 23 33
TORNEIO DA MULHER
Quinta da Barca, 9 de Maio de 2009
CLASSIFICAÇÃO STABLEFORD NETT
POS. NOME CLUBE HCP PONTOS
1ª Ana Sofia Pinto Quinta do Fojo 24 41
2ª Elisabete Teixeira Rilhadas 5 36
3ª Maria Luís Ferraz Estela 11 36
CAMPEONATO DO NORTE DE SENHORAS
Estela, 27 de Setembro de 2009
CLASSIFICAÇÃO STROKE PLAY (1ª CATEGORIA)
POS. NOME CLUBE RESULTADO
1ª Rebeca Ferreira Estela +10
2ª Mariana Martins Estela +10
3ª Cândida Santos Estela +12
CLASSIFICAÇÃO STROKE PLAY (2ª CATEGORIA)
POS. NOME CLUBE RESULTADO
1ª Adelaide Figueiredo Estela +26
2ª Maria Alice Leite Estela +34
3ª Francisca Osório Nortada +37
CLASSIFICAÇÃO MEDAL NETT (2ª CATEGORIA)
POS. NOME CLUBE RESULTADO
1ª Maria do Carmo Godinho Quinta da Barca 71
2ª Adelaide Figueiredo Estela 72
3ª Francisca Osório Nortada 73
REPORTAGEM. J, 10 de JANEIRO de 2010