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27 Dezembro 2009

De Belmonte para a América. Um dia começará assim a biografia de Alexandre Abreu. Actual vice-campeão nacional de Jovens, o jogador do Clube de Golfe da Quinta da Bica, de 17 anos, conclui hoje a sua participação no campeonato de golfe do Junior Orange Bowl: International Youth Sports & Arts Festival, que se disputa no The Biltmore Golf Course, na Florida – e o que espera é que se trate apenas do primeiro passo em direcção a uma carreira no PGA Tour, circuito a que nenhum golfista português alguma vez chegou. “Tenho a certeza de que, se queimar as etapas que tenho na cabeça, as probabilidades de lá chegar serão enormes”, diz, num registo de assumida auto-confiança. E não é só ele quem o diz (ou pensa): é a família, são os amigos e são mesmo os colegas e os vizinhos de Belmonte, da Guarda, da Covilhã – todos aqueles que um dia gostariam ver vingada, através dele, a subalternidade da respectiva região no universo do golfe nacional.

Jorge Roig, agora encarregado da sua preparação física, do seu acompanhamento psicológico e do seu aconselhamento nutricional, tenta pôr alguma água na fervura. “O Alexandre tem muitas expectativas à sua volta e está demasiado preocupado em ser o próximo Tiger Woods. Espero conseguir convencê-lo de que a única forma que tem de chegar onde quer é sendo o melhor Alexandre Abreu que puder”, diz. Nascido na Argentina mas instalado em Portugal há quase dez anos , Roig tem um doutoramento em Fisiologia do Exercício e Nutrição Desportiva – e, quando soube das suas habilitações, Manuel Alexandre Abreu, pai de Alexandre, não hesitou em pegar no filho e dirigir-se ao ginásio de Vila Nova de Gaia onde trabalha. Resultado: uma parceria de tal forma profícua que deverá mesmo implicar, a partir do próximo ano, a entrega a Roig da direcção do centro médico que Manuel Abreu está a construir em Belmonte – e onde o filho passará em breve a concentrar a sua preparação.
Trata-se, no fundo, de apenas mais um elemento para a entourage . Privado desde 2005 de um professor a tempo inteiro, Alexandre Abreu consulta regularmente vários treinadores de swing, como Eduardo Maganinho, do Oporto Golf Club, ou os seleccionadores nacionais Sebastião Gil e David Moura. Mas nem Pedro Figueiredo, a jovem promessa que entretanto se mudou para a América para estudar e melhorar o seu golfe, terá por esta altura um séquito da dimensão do seu – e, inclusive, tantos projectos a nascer à sua volta, incluindo todo um resort de golfe com centro de alto rendimento, centro de estágios e centro médico (ver peça em anexo). Principal mentor da ideia: o pai. “É muito simples”, diz o próprio. “O Alexandre tem em mim o maior aliado de todos. Não há pressão nenhuma. Simplesmente, o Pedro Figueiredo tem o Ginja [ndr: Ginja Figueiredo, pai de Pedro Figueiredo] e o Alexandre tem-me a mim. Vou com ele até onde for preciso.” Como acontece este fim-de-semana, em Coral Gables. Como aconteceu há quatro anos, quando Alexandre passou quinze dias a treinar na academia do guru internacional David Leadbetter, em Bradenton (também na Florida). E como acontece tantas e tantas outras vezes, quando Alexandre Abreu está em campo e o pai o acompanha pelo fairway, tentando (e mesmo não sabendo jogar golfe) fomentar a sua concentração.

Dono de uma empresa do ramo alimentar, Manuel Alexandre Abreu mudou-se de Matosinhos para Belmonte, terra de Pedro Álvares Cabral e de judeus sefarditas, em 1992, depois de comprar a Dramin, empresa detentora das minas do Vale da Gaia, entre Belmonte e Gonçalo (Guarda), onde outrora se explorava o ouro e o estanho. “Vim para explorar feldspatos e agregados, que é o que hoje produzimos. Mas a mina estava degradada e a região deprimida – e, então, lembrei-me de investir um pouco no turismo”, conta. Resultado: um campo de golfe de nove buracos, formato pitch&putt, e uma academia ao lado, incluindo driving range, putting green e demais áreas de treino. Estávamos em 2003 e Alexandre Abreu, então com onze anos, não tardou a aderir ao jogo, contanto na altura com a ajuda do profissional Luís Barroso, que ali trabalhou até 2005. Hoje, seis anos passados, é handicap 2. Não tem ainda qualquer título relevante, mas já é vice-campeão nacional de Jovens – e, entretanto, já jogou nove torneios internacionais pela selecção nacional da sua categoria.
“Espero ganhar um torneio importante em 2010. Gostava de vencer um Tranquilidade e, quem sabe, o Campeonato Nacional de Jovens, visto que é o meu último ano. E quero estar em bom plano nos torneios internacionais, claro”, diz Alexandre. O pai, orgulhoso, frisa repetidamente: “Não é fácil vir do Interior, treinar sozinho a maior parte do tempo e chegar aqui…” Juntos, os dois esperam conseguir agora a colocação de Alexandre numa universidade americana, à semelhança do que aconteceu com Pedro Figueiredo. “O Orange Bowl é sempre uma boa oportunidade. Está lá toda a gente. Mas, se não conseguir, vou continuar a tentar até ao próximo Verão. E, se acabar por não conseguir mesmo, não será fácil, mas hei-de ficar em Portugal e continuar a treinar”, explica Alexandre. Para já, vai cumprindo o rigoroso programa físico e nutricional prescrito por Jorge Roig, com o objectivo de começar em breve a aumentar a sua limitada massa muscular. Entretanto, tenta acabar o liceu (área de Desporto), onde beneficia da ajuda dos colegas, tão generosos no fornecimento de apontamentos quanto ávidos de vê-lo triunfar na alta roda do golfe mundial. “Não teria chegado a este nível sem eles, até porque ainda não tenho o estatuto de alta competição. Muito menos teria chegado sem os meus pais, que me ajudam em todas as situações”, diz.
“É um golfista lutador, com algumas correcções a fazer ainda na área técnica, mas que não deverão colocar-lhe dificuldades”, diz David Moura, um dos seleccionadores nacionais. “Do ponto de vista psicológico, no entanto, tem algum trabalho a fazer. Vai-se um pouco abaixo nos momentos de maior pressão – e, principalmente, traz com ele as expectativas dos pais e dos amigos, o que parece ter algum peso nas suas prestações”, insiste. E, porém, a paixão está lá. Apesar do imponente 1,86 m e do aspecto de jovem estrela pop, Alexandre nem sequer namorada tem (embora não por princípio): quase tudo na sua vida é golfe – jogar golfe, ver golfe, ler sobre golfe. Nos últimos tempos, andou a corrigir o sway (defeito de swing que consiste em mover lateralmente os joelhos ao partir do downswing), mas entretanto já considerou a prova superada. E, quando alguém se lhe junta em Belmonte para um match play de 18 buracos, no pico do Inverno, com a temperatura próxima dos zero graus centígrados e a neve a acompanhar a visita, é difícil não acreditar no seu sonho. Não se trata de um filho único, afinal: trata-se do sexto de sete irmãos, embora o mais velho de um segundo casamento – e, se veio a transformar-se na estrela do clã, não foi seguramente por mimo puro e simples.

 

 

CEGONHA NEGRA RESORT APRESENTADO EM JANEIRO

Para já, o golfe em Belmonte descreve-se assim: 22 golfistas, dos quais apenas 12 com handicap válido e pouco mais de meia dúzia treinando regularmente. Mas todos os dias, garante Manuel Alexandre Abreu, há cerca de dez mil golfistas na raia espanhola, oriundos nomeadamente das províncias de Salamanca e Cáceres, com poucas opções de campos para jogar – e alguém vai ter de ocupar esse espaço. Pois é a isso que se propõe agora a Quinta da Bica. Projecto: um grande resort, juntando às actuais instalações (academia, driving range, nove buracos de pitch&putt, club-house e restaurante) uma série de novas valências, incluindo um hotel de qualidade (com centro médico), um aldeamento turístico e um novo campo championship de 18 buracos, com desenho do campeoníssimo Severiano Ballesteros. O anúncio oficial dos vários empreendimentos deverá ser feito em Janeiro, com a presença de pelo menos um membro do Governo e (espera Manuel Alexandre Abreu) um representante da equipa de Ballesteros, esperadamente o próprio Severiano (operado no ano passado a um tumor cerebral no ano passado). “Não posso garantir que ele venha. Para já, tenho tratado de tudo com o seu irmão, Baldomero”, diz Manuel Alexandre. O desenho, no entanto, está pronto: um longo par 72, com seis marcas de batida diferentes, uma curiosa equitatividade na divisão do par (seis par 3, seis par 4 e seis par 5) e, a meio do buraco 18, o inevitável bunker em “S”, a habitual “marca de Zorro” de Ballesteros. Está prevista a assinatura de um acordo com um parceiro estrangeiro, mas Manuel Alexandre deverá continuar como sócio maioritário, apoiado no banco millenniumbcp. “O objectivo é ter o campo aberto ao público no final de 2011”, explica. Para mais tarde, e vista a actual crise global, ficará o resto do projecto, desenhado pelo arquitecto lisboeta Miguel Correia (atelier Ideias de Futuro): um aparthotel turístico, um edifício de eventos, um hotel saúde, um hotel rural, um clube náutico, uma zona comercial, com restauração, um parque infantil, quatro tipos diferentes de moradias unifamiliares e várias bolsas de estacionamento – o resort ideal tanto para férias como para estágios desportivos de alto rendimento das mais variadas modalidades. “Queremos qualidade, queremos excelência. Já temos um dos três melhores restaurantes do país e, agora, vamos alargar esse conceito a outras áreas de actividade”, explica Abreu. Cegonha Negra Resort Golf & Spa – assim se chamará o complexo, baptizado em honra das cegonhas de barriga preta típicas da região. Lisboa está agora a apenas duas horas de distância, via A 23. A Guarda e a Covilhã a apenas 10 minutos. A fronteira espanhola a 30 minutos – e a grande cidade de Salamanca a não mais do que uma hora.

REPORTAGEM. J, 27 de DEZEMBRO de 2009

publicado por JN às 23:23

20 Dezembro 2009

Era “um projecto arrojado e um desafio difícil, impensável para muitos e financeiramente quase impossível”, como sublinhou António Manuel Rodrigues na cerimónia de inauguração, a 13 de Setembro. E, porém, aí está ele. Três anos depois de a Unicer ter encerrado para remodelações o histórico campo de nove buracos do Palace Hotel, em Vidago, os sócios do Clube de Golfe de Vidago cansaram-se de esperar pela reabertura e avançaram com a construção do seu próprio campo. Proprietários da região arrendaram a baixo preço cerca de 16 hectares de terreno, os Bombeiros Voluntários locais trouxeram mais de um milhão de litros de água, a Câmara Municipal de Chaves e a Junta de Freguesia da Oura cederam alguma mão-de-obra, sócios e amigos de sócios emprestaram tractores e retro-escavadoras, quem não tinha outra coisa levou enxadas, pás, gadanhas, foices, carrinhos-de-mão – e, quase como se estivéssemos na Saint Andrews do século XVIII, em menos de seis meses já se jogava nos montes de Camba, cerca de três quilómetros a sudeste do centro de Vidago, entre os lugares de Vila Verde e Vila do Conde.
Para já, são apenas seis buracos. Mas “o sonho comanda a vida”, insiste Rodrigues, presidente do clube – e no próximo Verão deverão estar prontos mais três, mudando por completo o actual cartão de jogo. O céu, por esta altura, é o limite. E, quando se põe a pensar no futuro, António Rodrigues imagina mesmo um traçado de 12 buracos (quem sabe até de 18) com uma pequena urbanização de permeio, permitindo ao clube as receitas necessárias à manutenção de um campo de qualidade. Para isso, acaba de submeter ao Programa de Desenvolvimento Regional (vulgo Proder), e munindo-se das declarações de interesse público e turístico emitidas pela Câmara Municipal de Chaves e pelo Turismo do Porto e Norte de Portugal, o pedido de um subsídio no valor de 300 mil euros, destinado a ampliar o projecto e a melhorar o que já está feito, incluindo os greens, os bunkers, os acessos entre buracos, o fornecimento de água e a própria vegetação.
“Não posso dizer que, se não fosse este campo, o golfe em Vidago tinha acabado. A tradição da modalidade aqui na freguesia, e no concelho de Chaves em geral, é antiga e enraizada”, diz. “Mas a situação estava a tornar-se cada vez mais frustrante para mais de uma centena de jogadores que, apaixonados por este jogo, se dispunham a viajar regularmente entre Vidago e Amarante, numa distância de mais de 70 quilómetros para cada lado, só para poderem jogar.” Hoje, quem visita o campo do Clube de Golfe de Vidago, ao fim de uma curta e diversificada viagem sobre alcatrão e terra batida, entre azevinhos ancestrais e plátanos (por esta altura) com folhas de todas as cores, encontra o campo povoado por dezenas de pessoas que se empenham em, antes que a noite caia, percorrer três vezes os seus seis buracos, a subir e a descer, lutando com um par 69 dificultado pela falta de maturidade dos greens e pela incompletude dos fairways (naturais por esta altura), mas vagamente compensado pela relativa acessibilidade das distâncias. Ao fim de dois meses, nenhum dos 140 sócios, incluindo cerca de dez one-digit handicap, havia superado o par do campo.
Com menos de 1200 habitantes, Vidago tem golfe desde 1936, altura em que, no âmbito do Vidago Palace Hotel, um quatro estrelas inaugurado em 1910 para receber a aristocracia que procurava a região pela qualidade das suas termas, foi criado um campo de nove buracos. Ao longo de décadas, a prática da modalidade esteve vedada às classes média e média baixa da região, cujos rapazes apenas podiam aspirar ao papel de caddies. “Éramos doidos pelo golfe, mas não podíamos jogar. Às vezes, quando os jogadores se distraíam, dávamos uma pancadinha às escondidas. Mas jogávamos principalmente no campo da bola e no lameiro que havia ao lado, usando tacos artesanais em ‘lailante’ [ou ailanto, madeira comum em Trás Os Montes]”, conta Armando Portelinha, hoje com 59 anos e handicap 6. Felizmente para ele, como para outros, um certo Mário Rodrigues decidiu avançar, em 1969, com a criação de um clube, de forma a interceder pelos interesses dos locais junto da empresa Vidago, Melgaço e Pedras Salgadas, proprietária do hotel. “Mesmo assim, só depois do 25 de Abril pudemos jogar à vontade. Não foi fácil”, recorda Portelinha, percorrendo entretanto algumas das conquistas que fizeram dele um dos melhores jogadores da história de Vidago (o que não é dizer pouco, tendo em conta os vários campeonatos nacionais e as múltiplas chamadas à selecção contabilizadas entre os golfistas transmontanos).
Pois foi a esses voluntariosos jogadores que o hotel ficou a dever, durante anos, a manutenção do seu campo, que de outra forma teria sido consumido da vegetação. E foram esses jogadores locais que, com a transformação do recinto em campo comercial, passaram a temer ficar sem lugar para jogar. “Naquela altura, já tínhamos apenas, nós clube, um protocolo com o hotel para a utilização do campo. Quando ele acabou, em 31 de Dezembro de 2006, fomos informados de que o campo fechava automaticamente para ampliação, o que nos pareceu prematuro e estratégico, porque as obras apenas começaram em Março de 2009, quase dois anos e meio depois – e porque, durante todo aquele tempo, o campo esteve ali ao abandono, com a vegetação a crescer desregradamente”, explica António Rodrigues. A solução foi, então, um protocolo com o campo do Amarante Golf Clube, no Baixo Tâmega. “Mas nem toda a gente podia deslocar-se a Amarante e, como continuávamos (e continuamos) sem qualquer informação da parte da empresa proprietária do Palace sobre o campo do hotel, fomos ficando cada vez mais inquietos. Eu especialmente, pois tinha-me tornado presidente do clube precisamente nesse ano. A certa altura, passei aqui, vi este terreno, comecei a magicar – e, pronto, convenci as pessoas e avançámos.”
O terreno inicial tinha cinco hectares e destinava-se à criação de um driving range, com quatro buracos rurais em anexo. Mas o entusiasmo geral foi tão grande que o terreno cresceu quase automaticamente para 16 hectares (incluindo opção de compra) e o campo para seis buracos – tudo sem projecto, tudo feito de forma intuitiva. Ao todo, e entre directores e sócios, mais de vinte pessoas participaram nos trabalhos. “Mas houve muitas mais. Amigos, voluntários, cidadãos locais – era uma freguesia inteira mobilizada para isto. Foram, de facto, seis meses fantásticos”, diz António Rodrigues. Limpeza, modelação, sementeira, rega automática, manutenção – nada foi deixado ao acaso. Resultado: o único campo português propriedade de um clube – e, naturalmente, o único clube português que tem o seu próprio campo. O orçamento, diz o presidente, é inquantificável. “Houve muitos favores. Não dá para fazer as contas”, frisa. A Câmara de Chaves atribuiu pequenos subsídios, mas foi-se quase tudo na compra das sementes e na encomenda de areias da Póvoa de Varzim, entre outros fornecimentos. Um emigrante na Alemanha ofereceu uma máquina de manutenção. O resto tem sido devoção, tenacidade – e um comovente amor ao golfe e à terra, bem testemunhado pela simpática club-house construída a partir da ruína de um armazém de alfaias agrícolas.
A inauguração ocorreu precisamente a data do 40º aniversário do clube, numa cerimónia que contou com a presença da Manuel Agrellos, presidente da Federação Portuguesa de Golfe (que, apesar das estacas e das placas informativas artesanais, oficializou e classificou o campo em tempo recorde). E a convicção que fica, para quem ouve alguns daqueles homens, é que se operou um milagre pela salvação da modalidade em Trás Os Montes (ou, pelo menos, entre os transmontanos). “Não somos todos pobres. Há aqui pessoas de todas as origens socio-económicas. Mas há muitas pessoas modestas. Eu, por exemplo, toda a minha vida ganhei o ordenado mínimo como empregado de comércio e, depois, operador de empilhadora – e, quando me tornei profissional, em 1996, foi para ganhar ao biscate”, conta Sebastião Aguiar, outro dos multi-campeões locais (incluindo o Campeonato Nacional Interclubes de 1986, a coroa de glória de Vidago) e o actual profissional do campo. “Muitas pessoas podiam ter deixado de jogar golfe ao longo deste processo, até por receio de não vir a poder suportar os greenfees do campo do hotel. E é fantástico vê-los agora aí, num campo que fizeram (que fizemos todos) com as próprias mãos.” A quota de sócio do clube é de apenas 240 euros por ano, permitindo utilização ilimitada do campo. Para já, qualquer visitante terá de pagar vinte euros por três voltas de seis buracos, mas é-lhe sempre explicado que está a contribuir para despesas exigentes.
Para o próximo ano, em que o Palace Hotel completa o seu centenário, fica reservada a reinauguração do hotel (com intervenção de Siza Vieira) e do velho campo de MacKenzie Ross, agora com 18 buracos (com intervenção da empresa de design Cameron&Powell, a mesma que interveio nos melhoramentos, entre outros, do campo açoriano das Furnas, igualmente desenhado por McKenzie Ross). A Unicer prometeu desde sempre um projecto em grande – e, embora a data de conclusão das obras ainda não esteja oficialmente anunciada, quem se passeia pelas imediações do Palace fica com a clara ideia de que a promessa será cumprida. Apesar de a gestão desse campo estar destinada a uma empresa francesa, António Rodrigues tem esperança numa reaproximação entre o clube e o hotel. “Estamos abertos a recuperar o protocolo que tínhamos, ou mesmo a negociar um diferente. Mas, entretanto, não ficamos dependentes disso. Até porque pretendemos fomentar a prática do golfe entre os mais novos, para promover a renovação de gerações – e é-nos muito útil termos a nossa própria infra-estrutura.” Ao longo do Verão, mais de 300 crianças e adolescentes da região (e até da vizinha Espanha) passaram pelo novo campo do Clube de Golfe de Vidago. Mas, quando se pergunta a Sebastião Aguiar quem é a maior promessa entre os seus alunos mais jovens, a resposta é elucidativa: “Não se pode dizer que haja uma promessa. Não temos ninguém de grande nível.”

REPORTAGEM. J, 20 de DEZEMBRO de 2009

publicado por JN às 23:11

01 Dezembro 2009

Não sei se foi das anedotas. Talvez não tenha sido: talvez, e pelo contrário, tenham sido as anedotas a perceber que a guerra dos sexos continua a ser o palco de quase tudo o que interessa na história desta espécie – e, portanto, a transpor elas próprias essa guerra para os domínios do humor, do ajuste de contes e da amena cavaqueira. Facto: mulheres e golfe, diz a tradição, são duas coisas que não combinam. Quando um golfista ávido sai de casa para uma ronda de 18 buracos, tudo o que deseja é que o telefone não toque nunca – e, se em algum momento se lembra de uma mulher, é porque o jogo está a correr mal.

No buraco 12, e quando os shanks e os duplos bogeys já indiciam um mau resultado, ocorre-lhe o nostálgico desejo de ver sair dos arbustos uma bela loira disposta a entretê-lo pelo resto da manhã. No buraco 16, e quando os tops, os triplos-putts e os quádruplos bogeys já provaram em definitivo que o resultado não será apenas mau, mas verdadeiramente desastroso, assalta-o a súbita necessidade de encontrar dali a pouco a sua própria mulher em casa, com um sorriso cândido e uma chávena de café quente. Em qualquer caso, trata-se de uma compensação. O que ele queria, mesmo, era estar a jogar bem – e sobretudo (pelo amor de Deus) que o telefone não tocasse nunca.
Hugh Grant, o simpático actor de filmes como “Quatro Casamentos e Um Funeral”, “Notting Hill” ou o novo “Ouviste Falar dos Morgans?”, só veio reforçá-lo, dizendo numa entrevista que está tão obcecado, tão obcecado, tão obcecado com o golfe que nem sequer consegue manter um relacionamento romântico. Faz sentido: se nós podemos desculpar-nos por não jogarmos nada em resultado dos telefonemas, das ordens, dos pedidos e das reivindicações das nossas mulheres, pois suponho que ele também possa desculpar a sua incompetência com as mulheres com o facto de estar a treinar o driving, o pitching e o putting.
Por outro lado, um olhar mais atento à sua carreira é susceptível de explicação diferente. Hugh Grant joga há uma porrada de anos e nunca passou de handicap 7. Pelo contrário, fugiu de Elizabeth Hurley, apavorou-se com Sandra Bullock, não quis tentar nada com Andie McDowell, respondeu “Deus me livre!” a quem sequer lhe falou no nome de Julia Roberts – e, pelo meio, apenas parece ter encontrado conforto quando, no banco da frente de um automóvel estacionado em Sunset Boulevard, se deixou, digamos, mimar por Divine Brown, uma prostituta grandalhona que, se nos dissessem que era o Oceano disfarçado, nós acreditávamos na mesma.
Pois é precisamente essa longa tradição que, nas últimas semanas, me fez admirar Tiger Woods ainda mais. Sim, é verdade: o escândalo sexual em que o número 1 do mundo está envolvido é uma vergonha para o próprio, para a sua família e até para o golfe. Sim, é verdade: ao deixar-se envolver neste escândalo, Tiger Woods enfrenta o maior desafio alguma vez colocado à sua declarada promessa de superar todos os recordes alguma vez estabelecidos na história desta modalidade linda e sacana. Sim, é ainda verdade: nada disto passa, no fundo, de voyeurismo nosso, de cinismo jornalístico e de puritanismo americano, uma combinação que, de resto, nunca trouxe nem trará nada de bom a este mundo.
Acontece que Tiger Woods não era apenas casado: tinha uma amante também. Perdão: duas. Perdão: três. Peço desculpa (as informações vão chegando a cada momento, o meu velho Mac já fumega por todos os poros): Tiger Woods tinha sete amantes. E, apesar de ter sete amantes e mais uma esposa (peço desculpa, acaba de cair nova informação no meu terminal: Tiger tinha, sim, dez amantes e mais uma esposa), continuou a jogar golfe como ninguém alguma vez jogou. O que, naturalmente, nos diz duas coisas. A primeira é que não são as mulheres a estragar o nosso jogo: somos nós quem, infelizmente, não sabe jogar mesmo. A segunda é que Hugh Grant é, de facto, o xoninhas que sempre pensámos que ele era.

Por mim, não vou deixar de jogar as minhas duas ou três rondas semanais. Mas aprendi a dar outra atenção ao sexo oposto – e, a partir de então, passei a manter o telefone ligado, deixando instruções em casa para me telefonarem à vontade. Se entretanto sair uma bela loira dos arbustos do buraco 12, logo se verá. Talvez me apeteça arrumar os tacos pelo resto do dia, mas o mais provável é que ainda tenha esperança de salvar o resultado com uma improvável série de birdies – e acabe por jogar a ronda até ao fim. Afinal, até que ponto é que mortais como nós querem verdadeiramente ser como Tiger Woods?

CRÓNICA DE GOLFE ("Tee Time"). Jornal do Golfe, Dezembro de 2009

publicado por JN às 11:49

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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003) e “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado... (saber mais)
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