ler mais...
15 Outubro 2009

Jogar ao lado de Retief Goosen é uma coisa que nos acontece uma vez na vida. É como se, sendo um homem um actorzeco amador, fosse um dia recrutado para fazer um filme com Kate Winslett, incluindo cena de cama e tudo. Portanto, quando eu soube do maravilhoso draw que me calhara para este pro-am, tomei as medidas normais: não dormi durante duas noites, passei o último serão a marcar bolas e a passar a limpo as swing keys e dediquei a última manhã a substituir os spikes, a corrigir o approach e a munir-me de víveres para dois meses – enfim, o básico num bom homem de família a quem este jogo tirou o juízo por completo.
Escusado será dizer que, com tanto desejo, ainda não tínhamos jogado cinco buracos e eu já fizera de tudo: slices e hooks, shanks e tops, triplos putts e duplos bogeys. Que diabo, eu não estava a jogar com Retief Goosen: eu tinha Retief Goosen a assistir aos meus shots – e, se para ele aquilo era apenas um pro-am, para mim era o British Open. Naturalmente, saía tudo mal. Ao segundo buraco, os meus parceiros começaram a confortar-me, que é o pior de tudo. Ao quarto, reuni coragem e olhei para Goosen: para pedir-lhe que não ficasse nunca entre a minha bola e a bandeira, a ver se eu não aparecia nas notícias. Ao sexto, deixei rolar o trolley por uma lomba – e aí foram, ravina abaixo, o trolley e os tacos e as garrafas de água e tudo o que ainda me restava de dignidade (se é que restava).
E, então, tive uma epifania. Estávamos no tee do 10, com câmaras de TV e caçadores de autógrafos e dirigentes federativos e muitos marshalls em volta – e ouvi uma voz. “Concentra-te só naquilo que podes dominar. Isto já é tudo grande de mais para ti. Bate-me nessa gaita dessa bola e pronto. Assim como assim, já tens o dia estragado.” Fiz o meu primeiro par da tarde – e, até ao fim da ronda, fiz ainda mais cinco. Não joguei bem, mas não por nervoseira: apenas porque efectivamente não jogo bem. Acabámos no sexto lugar final – e, feitas as contas, ainda consegui ganhar o buraco 16 à minha super-estrela privativa, com um épico up-and-down (incluindo putt americano) que muito lhe agradaria a ela própria ter feito.
Não vou escondê-lo: fiz o pior resultado da equipa. Mas tenho uma vantagem sobre todos os outros: posso exorcizar o meu fracasso de imediato, gozando comigo próprio numa crónica de jornal. De resto, uma história depende muito de como a contamos. E, quando eu tiver netos, vou contar assim a minha: “Sabem, queridos, antigamente havia um jogador chamado Retief Goosen, que ganhou dois US Opens e foi um dos melhores do mundo. Uma certa semana, ele jogou no domingo com Phil Mickelson, na President’s Cup, e na quarta-feira com o vosso avô, no Portugal Masters.” Estou em dúvida sobre se começo com “Era uma vez” – e, aliás, se digo “um dos melhores do mundo” ou “o melhor do mundo” mesmo. O remate, no entanto, já tenho: “E o vovô limpou-lhe o buraco 16.”

ESPECIAL III PORTUGAL MASTERS. O Jogo, 15 de Outubro de 2009

publicado por JN às 10:04

Hilariante crónica.
Eu, no tee do 1 teria feito um fresh air " de certeza!!!
Neste jogo, basta presença de um pássaro no seu ninho a 200 metros que já atrapalha.
Agora, posso afirmar: já joguei com o Joel que já jogou com o Retif ....

P.S. Parabéns pela vitória no buraco 16.

Um abraço.

Vasco, CGIT
Vasco Rocha a 16 de Outubro de 2009 às 00:08

pesquisar neste blog
 
joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003) e “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado... (saber mais)
nas redes sociais

livros

"O Terceiro Servo",
ROMANCE,
Editorial Presença,
2000
saber mais...


"O Citroën Que Escrevia
Novelas Mexicanas",
CONTOS,
Editorial Presença,
2002
saber mais...


"Al-Jazeera, Meu Amor",
CRÓNICAS,
Editorial Prefácio
2003
saber mais...


"José Mourinho, O Vencedor",
BIOGRAFIA,
Publicaçõets Dom Quixote,
2004
saber mais...


"Todos Nascemos Benfiquistas
(Mas Depois Alguns Crescem)",
CRÓNICAS,
Esfera dos Livros,
2007
saber mais...


"Crónica de Ouro
do Futebol Português",
OBRA COLECTIVA,
Círculo de Leitores,
2008
saber mais...

arquivos
2011:

 J F M A M J J A S O N D


2010:

 J F M A M J J A S O N D


2009:

 J F M A M J J A S O N D


2008:

 J F M A M J J A S O N D


2007:

 J F M A M J J A S O N D